quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Entrevista Ciro Gomes

Para o deputado, picuinhas paulistas afastaram PT e PSDB, fizeram com que os dois partidos se alinhassem com o que há de pior na política nacional e criaram uma falsa dicotomia.

a Denise Rothenburg

Definido pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, como um "potro indomável", o deputado Ciro Gomes (PSB-SP) tenta avançar em seu projeto de concorrer à Presidência da República, com investidas pesadas contra setores do governo. "O Brasil, se a gente olhar para o futuro, dá medo. As contas externas estão se deteriorando de novo, de forma asssutadora. A saúde pública está um desastre", afirma, nesta entrevista exclusiva ao Correio, em seu gabinete na Câmara. E, pela primeira vez, embora afirme que o cenário para que isso ocorra seja
remoto, admite disputar o governo de São Paulo.

Um crítico sem meias palavras
Gustavo Moreno/CB/D. A Press - 9/2/10

O senhor será candidato a governador de São Paulo?
Fico honrado com a lembrança do meu nome, mas considero um imperativo moral apresentar uma candidatura à Presidência da República que proteja e valorize o povo brasileiro, explorando ao máximo as virtudes do sistema eleitoral de dois turnos. Não podemos abrir mão de ajudar o nosso povo a diminuir a importância dos setores conservadores, fisiológicos, clientelistas e não ficar nessa ideia de que a política
brasileira poderia se norte-americanizar, fazer um falso plebiscito sem conteúdo só porque achamos que Lula e sua turma são melhores do que Fernando Henrique e sua turma.

Essa mudança para São Paulo não pode ter tirado votos do senhor no Nordeste?
Jamais se demonstrará. Agora, eu disse na época, ponderando, nas discussões internas do partido, que não deveríamos fazer isso. Na hora em que houvesse a transferência, a dubiedade, é candidato a governador, não é a presidente, diminuiria a intensidade daquele caminho, de construir uma terceira via comprometida com o projeto que
Lula iniciou, mas achando que o Brasil não pode parar no tempo. Só quem pode se apresentar sem qualquer tipo de limitação, um projeto de futuro para o Brasil, somos nós.

Por quê?
Pela circunstância política. Vamos caricaturar, porque às vezes as pessoas reduzem isso. O Serra tem que explicar a companhia do Quércia (ex-governador de São Paulo). A Dilma tem que explicar a companhia do Sarney (presidente do Senado) e do Renan Calheiros (PMDB-AL). O Serra tem que explicar a companhia do Arruda (governador do DF). A Dilma tem que explicar a companhia do (deputado) Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Eu não tenho que explicar nada.

Mas Lula tenta controlar as candidaturas da base.
Está errado. Como estava errado "São" Fernando Henrique em 98. Está errado se o interesse for o nacional. Se for o interesse político do PT, de subjugar o processo político todo e reduzi-lo a uma condição em que o PSDB não fala nada dos defeitos do PT porque são piores os seus, se um não pode falar do mensalão do outro, como está aí o debate.

Como o senhor vê essa polêmica FHC versus Lula?
Quando Fernando Henrique assumiu, era uma novidade extraordinária. Ninguém pode negar. Era um guru da geração de políticos que queria enfrentar o futuro. Assume o poder já com a obra importante em curso, que era o Real, que ajudei a consolidar. O que faz o PT, por causa da paroquial e radicalizada disputa de São Paulo? Vai para a oposição. E FHC se abraça com o que há de pior na vida pública brasileira. Lula
faz um governo bom, mas o PSDB, por essa mesma mesquinharia, nega diálogo. Aí, obriga Lula a confraternizar com a mesma fração de poder que estava com FHC.

Então, o senhor está fazendo ao governo Lula a mesma crítica que fez a FHC?
Estou fazendo uma crítica ao ajuntamento sem forma, de moral frouxa. Apoio o Lula. Mas nessa aliança do PT com o PMDB a moral é frouxa. E, do jeito que está indo, é um roçado de escândalos já semeados, que, convenientemente explorados, num quadro bipolar, pode nos deixar falando só, no meio da rua.

O senhor pode explicar melhor?
Basta explodir um escândalo daquele tipo do mensalão, em cima de uma
candidatura só, não é da Dilma, como já se tentou fazer. Não sejamos
inocentes. Brasília vive de segredos de polichinelo.

Então, o senhor acha que vêm escândalos, é uma acusação grave. Contra o PMDB?
Não tenho dúvida! E não é contra o PMDB. O PMDB já está acostumado, o PT já está acostumado, todos estamos acostumados. A questão é se o Brasil aguenta, se um presidente sem o carisma e a relação de solidariedade que desperta no coração do povo, que é o Lula, se este pós-presidente ou presidenta aguenta. Eu não aguento, a Dilma não aguenta, o Serra não aguenta, o Aécio não aguenta.

Como é que o senhor vê as ameaças que o ex-ministro José Dirceu tem feito, de o PT lançar candidato a governador no Ceará, em Pernambuco?
Dirceu está blefando. Quem quer pegar galinha não diz "xô".

E o apelo que farão ao senhor depois do carnaval para que seja candidato a governador?
Não deixa de ser honroso. A propósito, o PMDB de São Paulo está nessa coligação? Não. Newton Cardoso? Jader Barbalho? Fogaça? Requião? Luiz Henrique? Geddel, na Bahia, está com o PT? E se o Aécio for candidato e oferecer o governo de Minas a Hélio Costa? Percebe? Eu devo retirar a minha candidatura? O PMDB está se armando para colocar um pé em cada canoa e continuar governo seja quem for.

Então, significa que o senhor não descarta retirar a candidatura lá na frente, numa hipótese.
Veja, até aqui, é avaliação. Daqui para frente, é profecia. Vamos supor que há aí uma situação em que o Serra renuncia ao governo de São Paulo, despenca para 15%, Dilma 65%. Nesse caso, posso ser candidato a nada, ou a governador de São Paulo. Mas as profecias estão na fase do imponderável. O apelo era: "Ok, mantenha a candidatura à Presidência, mas deixe a porta aberta para a gente ajudar a arrumar o cenário
nacional". Eu já disse em que circunstância exótica eu aceitaria ser candidato a governador em São Paulo, se eu entendesse que esse gesto seria parte de uma engrenagem de um grande projeto nacional.

O senhor acha que o PMDB está enrolando a Dilma?
Não, estão sendo PMDB. Eles não fizeram até agora sequer uma proposta para o país.

O senhor acha que o PMDB abandonará Dilma no meio da campanha?
Acho. E que não vão com ela. Vai um pedaço da burocracia do partido. Talvez o tempo de televisão vá.

Seu projeto é unir PT e PSDB?
Meu projeto é usar o sistema presidencial de dois turnos. O Serra, menos por falta de virtudes, porque tem qualidades, é a volta ao passado. O Lula é um avanço extraordinário, mas isso se constata olhando para o retrovisor. O presente é bom. Mas o Brasil, se a gente olhar o futuro, dá medo. As contas externas estão se deteriorando. O padrão de manufaturados na exportação está caindo. Com exportação de
matéria-prima o Brasil não paga a conta do progresso que nosso povo quer. A saúde pública é um desastre. Está subfinanciada, mal gerida. A educação avançou, mas está longe do padrão mínimo. Em 134 países da OCDE, o Brasil é o último.

Mas como é que o senhor vai encontrar espaço para colocar essas críticas?
Minha proposta é olhar para o futuro, propor um projeto, renovar as articulações, fazer as concessões. Se você, já de véspera, entra vendido, abre mão de dar ao povo a oportunidade de escolha. A Dilma é decente, capaz, mas a circunstância política dela, somada à falta de vivência eleitoral, me preocupa. Aí vão dizer, Ciro critica Dilma. Não. Estou elogiando. A Dilma era a melhor opção que o PT poderia apresentar. Mas a falta de vivência me deixa inseguro. Ela nunca disputou eleição.

Se o Eduardo Campos disser que não dá?
Se ele disser, irei para casa docemente. É a única força capaz de retirar a minha candidatura. Porque aí estarei dispensado do que eu considero um imperativo moral, meu dever com a nação brasileira.

E o PT? O senhor não acha que o partido teme que o senhor ultrapasse a ministra Dilma?
Se o Lula e o PT não tiverem força para garantir que a Dilma esteja no segundo turno, então significa que, sem a minha candidatura, a Dilma perdeu. É simples. O Serra quer muito isso também, que eu não saia candidato. Essa confrontação provinciana de São Paulo, os dois lados querem a mesma coisa. É a única coisa em que eles se entendem: destruir a minha chance de apresentar ao povo brasileiro humildemente a minha experiência e ideias. Os dois querem que eu saia. Um dos dois
está errado.

A Dilma é decente, capaz, mas a circunstância política dela me preocupa. A Dilma era a melhor opção que o PT poderia apresentar.
Mas a falta de vivência dela me deixa inseguro"

Um comentário:

Albino disse...

Uma coisa que ninguém- de boa fé- discorda do Ciro: Esta aliança, PT- PMDB é frouxa.Todo mercado político sabe que até julho muita água poderá passar debaixo desta ponte e até derrubá-la. Os próprios petistas, que não estão sentindo confortáveis nesta aliança com as antigas oligarquias- Sarney, Collor, Renan, Jarder,etc.- poderão lançar um bomba nas trincheiras do neo-aliado para enfraquece-lo. Ou seja, um novo caso Arruda - até então o governador era cotado para vice de Serra - pode está em curso. Vamos aguardar as trovoadas para ver quanta chuva irá cair.